
Ola,
A noite instalou-se. Calma, silenciosa, clara. Só os sons da noite ecoam. As árvores a sussurrar ao vento. Os carros a passar ao longe em estradas invisíveis. Animais nocturnos saudam-se. Os candeeiros acesos também têm som. O som da noite.
Quem és tu?Quem és tu?
Passaram dez, doze anos. E no entanto parece que não passou tempo nenhum. Continuo sentada à mesa de um café, com uma caneta numa mão, um cigarro na outra e uma folha em branco à minha frente. Os cafés foram mudando, as canetas também. Os cadernos cheios de frases indecifráveis amontoam-se na minha cave e até a marca dos cigarros é diferente. Mas nada mudou. Será que alguma vez vai mudar? Será que alguma vez vou deixar de sentir que há outra pessoa dentro de mim? Será que daqui a dez anos ainda estarei aqui? Ou terá o meu espírito finalmente sossegado, resignado a não despertar emoções que não podem ter qualquer explicação. Será este tumulto enfurecido um eco do aproximar de mais um aniversário? Será só a minha alma a querer que a vidade me arrebate e me faça voar? Há dias assim em que me sinto dominada por recordações distantes que não consigo esquecer...nem lembrar. Estarei a viver uma ilusão? Estarei a enganar-me a mim própria dizendo que esta vida não é aquela a que estou destinada? O ecoar longínquo, tão longínquo de memórias. Sei que estão lá, têm de estar. De onde vêm não sei, nem sei se algum dia conseguirei explicar a mim mesma porque há dias assim.
Há dias como este em que me sinto duas. Em que me sinto diferente de mim. Em que me sinto a viver num corpo emprestado, numa vida emprestada. Em que me sinto destinada a viver outra vida que estou a adiar. 


