segunda-feira, 7 de abril de 2008,15:36
Casquinha de noz
És o meu porto de abrigo ... por muitas tempestades que me assolem, o facto de te saber aqui, faz com que esta casquinha de noz se sinta capaz de enfrentar mares e oceanos.
 
,15:29
Silêncio

O sol ainda não tinha nascido quando fechei a porta atrás de mim com todo o cuidado.

Já viram Lisboa com o sol a iluminá-la de mansinho, como um amante ou uma mãe que nos acorda com carinho, sem sobressaltos? É linda a cidade donde partia naquele momento, mas ainda assim a necessidade de partir era mais forte.
Decidira levar apenas uma mochila comigo, com bens essenciais, pelo menos para mim: documentos de identificação, escova e pasta de dentes, uma mini farmácia básica, muda de roupa, um caderno e várias canetas.

Comecei a caminhar sem saber muito bem que direcção tomava, lembro-me que apanhei dois ou três autocarros e que entrei e sai de paragens completamente desconhecidas apenas por achar piada ao número do autocarro que ali parava ou porque o nome da rua me dizia ou relembrava algum episodio familiar.

A dada altura olhei em volta e a cidade desaparecera. Lisboa havia ficado para trás.
A estrada de terra batida onde o ultimo autocarro (que já só com muito boa vontade continuava a deter esse epíteto) me havia deixado continuava, sempre a direito e o espaço dominava os meus horizontes. Espaço e solidão… não aquela solidão má, que tememos e da qual fugimos, mas sim aquela boa, quente, que te envolve e te faz respirar fundo, inclinar a cabeça para trás e pensar: agora sim, um pouco de paz…
Um pouco de paz para ouvir aquela música que às vezes aparece sem se saber donde para acompanhar melodiosamente aqueles pensamentos a que só te permites quando tens…aquela paz. E os meus pés continuaram a andar, sempre em frente, sempre sem perguntar onde estavam nem para onde iam…e a musica vinda sabe-se lá de onde continuava a acompanha-los…

A dada altura vislumbrei um fim para este caminho a direito por onde já andava há algum tempo: terminava numa praia fluvial magicamente deserta onde um catamaran parecia esperar por mim. O que faria um catamaran naquele sitio ? Engraçado porque me lembro de me questionar sobre isso, mas nem por uma vez me questionei onde estava, provavelmente por não querer quebrar o encanto que se apoderara daquele dia, assim que o sol se espreguiçou no céu pela primeira vez.

O catamaran tinha um aspecto resistente, mas garantidamente aquela não seria a sua primeira travessia. Ainda assim, inspirava confiança e simultaneamente transbordava aventura por todos os lados. Uma aventura…para onde iria naquele catamaran? Se nem sequer sabia donde partia, mais difícil saber onde iria chegar…

Sinceramente, sentia-me um pouco telecomandada. Não hesitei em subir para o catamaran e orienta-lo (mal sabendo o que estava a fazer ou melhor, nada sabendo o que estava a fazer!!) para a outra margem. Também não hesitei em decidir que era para a outra margem que queria ir, não me perguntem porquê. Que não estava totalmente em mim era obvio, mas por força do quê ou de quem isso já era um mistério que sinceramente não me interessava explorar naquele momento…

O sol já estava prestes a ir dormir quando cheguei à outra margem. À primeira vista esta praia estava tão deserta como a primeira e igualmente silenciosa. Chegavam pé ante pé os sons da noite e de repente apercebi-me que poderia bem ter de dormir ali mesmo na praia….é que na lista dos meus bens essenciais não tinha incluído uma lanterna!

A praia era extensa em comprimento, um braço de areia longo e esguio que se prolongava até perder de vista; ao longe pareceu-me vislumbrar um vulto caminhando na minha direcção, quem seria? As suas passadas eram suaves, firmes e regulares. Provavelmente já me tinha visto mas não alterou o ritmo do seu caminhar; não correu na minha direcção, tão pouco alterou o seu percurso…continuou, passo a passo a percorrer o caminho que nos separava.

Ele parou a cerca de metro e meia de mim.
Não lhe consegui ver o rosto de imediato, porque o sol que se punha no horizonte parecia provocar-me, impedindo-me de ver mais do que aquilo que ele queria que eu visse. Mas a musica que me acompanhava desde manhã parou. Os sons cessaram … então, senti quão belo pode ser um único segundo de absoluto silencio. E nesse segundo o sol arrependeu-se de me arreliar e timidamente afastou-se para me deixar contemplar o rosto daquele estranho.
Por mais que me esforce por o descrever, sinto que há sempre uma peça fundamental do puzzle que ainda não encaixei e que não me deixa mostrar o desenho completo da descrição que tento fazer; mas não me canso de tentar. Sinto que quando o conseguir descrever conseguirei entender aquilo que despoletou em mim:

Aquele estranho tinha o poder de olhar para ti e mostrar-te que te conhecia melhor que ninguém. Foi isso que senti assim que tive o olhar dele pousado em mim naquele segundo:
A sensação inebriante que finalmente tinha conseguido encontrar alguém que me compreendia ao ponto de me conseguir explicar a mim mesma.
A sensação de tarefa concretizada, de meta alcançada.
O descanso de não ter necessidade de explicar nada.
O sossego de não ter de medir nem pesar as palavras.
O alivio de deixar cair mascaras, maquilhagens, plumas e outras falsas defesas.

Disse-me muitas coisas naquele fim de tarde, à beira-rio. Disse-me que não tinha um nome mas tinha milhares de nomes e explicou: cada pessoa que vinha parar àquela margem escolhia o nome pelo qual o queria recordar; o nome escolhido não precisava de respeitar quaisquer regras. Podia ser qualquer coisa, pronunciável ou não, numa língua estrangeira ou inventada, um som até.

Contou-me que era o dono do catamaran que tinha encontrado e que a tarefa dele era cuidar dele para que as pessoas pudessem fazer a travessia quantas vezes precisassem. Contou-me que essa era a missão dele desde que se lembrava e que se lembrava de muita, muita coisa.

Falou-me dos rostos e dos corações das pessoas que já tinham atravessado o rio, dos seus medos, das suas preocupações, dos seus desejos. Não mencionou outros nomes, não entrou em mais detalhes, porque naquele momento estava ali para falar de mim, disse-me a dada altura, e foi então que perguntou “Vamos jantar?”

Jantámos ali mesmo, peixe assado numa fogueira feita por ele, sem outros aromas que não a brisa fluvial que se levantava agora com mais força e sem mais adornos que as estrelas que começavam a surgir ; em jeito de trocadilho, poderíamos dizer que foi uma refeição light ;-)

E ele falou, falou, falou. Nunca deixou de olhar para mim enquanto falava e eu sentia que não queria fazer mais nada no resto da minha vida senão ficar ali, a olhar para ele, a ouvi-lo falar. Falou de mim no presente, no passado e no futuro e pôs o dedo em feridas que me habituei a ignorar de tal forma que já nem acreditava que ainda lá estavam. Mas estavam e ele mostrou-me bem isso.
Mas não me deu tréguas, não parou para me deixar respirar fundo, segurou-me as mãos para me impedir de tapar os ouvidos (não que fosse fazê-lo) e continuou a falar; falou até que deixei de sentir que estava acordada, embalou-me até adormecer e ainda assim continuava a ouvir a sua voz, quente, baixa, serena cá dentro... a ultima coisa que me lembro de ouvir foi:
“Hoje vais dormir num sitio mágico; a pousada dos sonhos”

Depois disso não me lembro de ouvir mais nada; lembro-me de sentir: a maciez dos lençóis que me envolveram, a frescura da almofada onde repousei a cabeça, a sensação de paz que me assolou apesar de estar deitada num sitio desconhecido, levada por um desconhecido que me conhecia melhor do que eu alguma vez seria capaz. Paz e silencio. A dupla perfeita. E perdi-me em sonhos: a musica voltou e com ela imagens de tempos passados e mais recentes. E a voz dele continuava a ecoar mostrando-me tudo o que não tinha querido ver ou recordar…o bom, o mau, o assustador, o hilariante. Tudo.

Quando acordei tive a sensação estranha que não estava sozinha. E de facto, à minha porta, aberta directamente para a praia (sim, que a pousada dos sonhos era na realidade uma cabana de pescador, com uma cama rústica e um lavatório em cerâmica daqueles que hoje residem em museu) lá estava o Desconhecido a velar pelo meu acordar. Disse-me que tinha de voltar, uma noite fora suficiente para me despertar e me reavivar a memória, que estava pronta.

Lembro-me que não lhe respondi mas chorei. Não queria abandonar aquela sensação de compreensão absoluta. Não a ia voltar a encontrar, nem mesma, ou melhor, sobretudo, em mim própria.

Ele riu-se para mim. Disse que estaria sempre por aqui, que se sentisse necessidade o meu coração ia dar com o caminho novamente e nos voltaríamos a encontrar. O cenário poderia não ser o mesmo, o catamaran até poderia virar jangada ou canoa, mas haveria sempre um rio, haveria sempre uma noite de palavras a ir e voltar, e horas repletas de sonhos vividos e por viver.

Eu acreditei nele. Não podia deixar de acreditar. Senão não partiria nunca.

Perguntou-me então qual era o nome que tinha escolhido para ele. Não tinha escolhido nada, nem me tinha lembrado mais disso porque na realidade não precisava de lhe dar nome algum. Disse-lhe isso mesmo, que não queria escolher nenhum nome, que não precisava, que qualquer um que escolhesse nunca poderia dizer tudo. Ele sorriu e prometeu-me que esse seria o seu nome para mim …‘Silêncio’.

Olhei por uma ultima vez nos olhos dele e voltei a descobrir quão familiar me sentia naquele olhar. Inspirei fundo procurando captar toda aquela compreensão que emanava dele e subi para o catamaran. Fechei os olhos numa tentativa final de capturar todas as imagens, todos os detalhes, todos os segredos daquela aventura e quando abri os olhos...Lisboa voltara.
 
quinta-feira, 3 de abril de 2008,12:29
Passos em volta


Há aqueles momentos inconvenientes da nossa vida em que duvidamos das escolhas que fizemos.


Às vezes vamos sossegados na nossa vidinha, a espreitar ali, a espreitar acolá e sem querer tropeçamos nalgo que nos magoa. Não estou propriamente a falar do estado da calçada portuguesa e das nódoas negras dos meus dedos dos pés, se bem que poderia igualmente ir por aí...
Hoje foi isso que me aconteceu. Sem querer encontrei algo que preferia não ter encontrado e que me fez sofrer. E que me fez duvidar de decisões tomadas. Mas sei que se pensar bem consigo encontrar 1001 razões para as ter tomado e para me convencer que segui o caminho correcto; bem, correcto soa demasiadamente moralista, porque não caracterizá-lo como natural ?...
Mas magoa na mesma. A verdade é que somos egoístas por natureza (e peço desde já desculpas a alguma ser humano verdadeiramente altruísta que leia este post…também os há, I’m a believer…) ….er….onde é que EU ia? Isso, somos egoístas por natureza e temos uma tendência (genética?) imediata para a auto preservação…a todos os níveis. E isso implica, claro, auto preservação emocional. Por isso protegemos o nosso coração primeiro antes de pensar no dos outros.
Algures num passado recente pus esse dogma em causa contra mim mesma. Se estou orgulhosa de mim mesma? Nem por isso…na realidade é em dias raros como esse que penso que ser altruísta devia ser considerada uma profissão de alto risco. Mas depois as seguradoras não lucravam nada com isso e era uma chatice…
Na realidade estou a circular o tema propositadamente…como um predador que rodeia uma presa ferida mas ainda não está bem certo se pode afiar os dentes…esta metáfora não tem mesmo lugar aqui, mas pronto, isto de qualquer das maneiras é para se ver como o meu cérebro às vezes sai a galope para planícies que eu desconheço ….e graças a Deus por isso, há coisas que prefiro nem eu mesma saber (conscientemente pelo menos); e pronto, perdi-me outra vez.
Estou a circular o tema porque não quero pôr o dedo na ferida; uma amiga relembrou-me há uns dias desta expressão ‘pôr o dedo na ferida’. E não o quero fazer por sei de antemão que esta ainda não está bem sarada…não vale a pena andar lá a coscuvilhar. Pois, mas foi inevitável, apanharam-me de surpresa. E sendo assim ponho-me a escrever porque é das melhores formas que conheço para cicatrizar feridas profundas. Escrever, desabafar, balbuciar expressões e pensamentos que provavelmente mais ninguém vai entender. Não interessa, a cada palavra transposta para esta folha de papel digital sinto o coração mais levezinho…agora só não vale abrir aquela porta outra vez. Mas como já sei onde ela está, o risco é menor.

Tão giro como se pode falar tanto de um assunto sem dizer praticamente nada sobre ele.

Tenho muitas saudades tuas. Tenho, a sério. Bem…há coisas de que não tenho saudades mas essas ficam só entre nós ;))
Há tempos atrás escolhi ficar com as saudades …. e com as recordações … e com as notas que de vez em quando me continuam a assaltar assim de repente. Tive-te tempo suficiente para te conseguir evocar sem precisar de te tocar e feliz ou infelizmente a vida é feita destes pequenos passos em frente ainda a olhar por cima do ombro…
(provavelmente por ter muitos destes momentos é que estou cheia de nódoas negras nos dedinhos dos pés …)

NOTA DO AUTOR (após dois ou três equívocos): Este post não é sobre relações amorosas nem homens, não vão por aí :)