segunda-feira, 14 de julho de 2008,23:25
Ao som de um piano
Eu não sou muito dada a musica...ou melhor, gosto dela mas ela não vai assim muito com a minha cara.
Tolera-me, dá-me pequenos prazeres como ouvir uma combinação de certas notas e sentir um arrepio na espinha ou uma lágrima a espreitar de mansinho ao canto do meu olho, mas nunca me deixou ir para além disso. Nunca me deixou partilhá-la, ser capaz de criar por mim combinações que me provocam sensações ou sequer perceber porque é que certas combinações me alteram cá dentro e outras me deixam indiferente. É assim a música para mim...como um amante incerto, que te dá prazer mas não te deixa permanecer, nem entrar dentro dele.

E ainda assim a música sossega-me, serena-me, obriga-me a descansar de mim mesma.
Como por exemplo agora.

Agora, sim, neste exacto momento. Esforço-me por respirar fundo enquanto me concentro no som de um piano solitário que parece que está a falar só para mim. Compreender o que ele diz não compreendo, mas consigo imaginar o que ele me diria. Consigo respirar fundo e perder-me neste som. Porque às vezes precisamos de nos deixar ir... sem saber onde vamos, tal como eu nunca sei para onde uma música vai. Mas só o facto de a seguir me dá uma certa paz, como abandonarmo-nos nos braços de alguém em quem confiamos e dizer "vou para onde fores, mas não fico onde não estiveres.

E enquanto este piano me embala, as minhas mãos divagam no teclado e permitem-me o doce prazer de deitar cá para fora parte da minha alma, parte, só parte...shiuuuuu porque outra parte nem eu sei onde anda, nem sei que caminhos percorre...

As minhas mãos divagam neste teclado como as de um pianista que acaricia as teclas preciosas da sua arte. Que ousadia a minha esta comparação. Mas em termos de prazer deve ser muito parecido. Esta sensação de inspirar fundo, não pensar em nada e deixar que as letras se conjuguem, se combinem e formem palavras e que as palavras conheçam outras palavras e se encontrem em frases. Que como qualquer relação na vida, às vezes resultam numa boa combinação e outras vezes não...é assim


É nestes momentos em que a música me subjuga, me faz pensar que alguém consegue efectivamente transpor sonhos em pauta que acredito que um dia farei o mesmo mas em páginas brancas. Eventualmente serão transparentes para alguns e de multiplas cores para outros. Mas a música nestes momentos leva-me a sonhar...nem eu sei bem com o quê, mas faz-me sorrir. A melodia embala-me, o som dos meus dedos no teclado marca um compasso descompassado, ora acelerado e frenético ora pausado e inseguro ...é ai que sinto que os sonhos me escapam, como a areia nos escorre por entre os dedos se apertarmos demasiado as mãos.

O truque é nunca agarrar nada demasiado, nunca fechar demasiado as mãos. Mantê-las semi abertas, como quem se presta a receber algo que possa vir de repente mas não como quem pede por algo que tarda em chegar.


Esta melodia está prestes a terminar e os meus dedos começam a abrandar o ritmo...as palavras já estão reunidas por hoje, já tiveram algo para falar e se calhar muito pouco a dizer. Eu desabafei no pouco ou nada que elas disseram. É esse o poder da música e da escrita ...nunca nos obriga a dizer mais do que queremos e no entanto deixa-nos expor o coração e alma por completo quando precisamos.

Obrigada música por estas notas...sejam elas quais forem. Trouxeram-me paz.Em troca, recebe as sensações que elas me transmitiram e que se transformaram nestas palavras.



 
Por SDR
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